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Maria Duarte, 24 anos, Recife

Todas as joias nascem do fogo. É preciso calor, ácido e solda para que o metal se transforme nos adereços. Quem vê Maria Eduarda Duarte dificilmente imagina que o fogo seja o instrumento de seu trabalho. A olindense, de 24 anos, é o nome à frente e por trás da Maria Duarte Joalheria Contemporânea, marca fundada há pouco mais de um ano e meio.

 

Maria, ou Duda, criou a marca como seu projeto experimental de conclusão de curso de Design, na Universidade Federal de Pernambuco. Não imaginava que a coleção Invento, inspirada na obra da artista plástica Lygia Clark, seria o pontapé para uma profissão. A prata, principal material das peças, ganha formas geométricas, torcidos e dobraduras, formando brincos, colares e anéis minimalistas, mas impactantes.

 

Encontro com Maria na Casa 57, uma loja colaborativa que reúne mais cinco marcas independentes do Recife, onde ela inaugurou um espaço há cerca de três meses. A casa fica em uma rua residencial do bairro de Casa Amarela, e apenas o número e uma pequena plaquinha indicam o local. O portão estreito guarda uma ampla sala - onde estão os produtos à venda - e um grande quintal com algumas mesas e cadeiras.

 

Nanda, que trabalha no local, me atende e pergunta se vim procurando alguma marca específica. Explico o que fui fazer e sou levada até uma das mesas, onde descansa perto uma cachorrinha, a mascote da casa, e onde Maria está me esperando. A designer usa algumas de suas peças, anéis e um colar com imã, que deve ter seu par no pescoço de outra pessoa. Tem cabelos ruivos e sorriso fácil. A conversa é dinâmica e quase do mesmo jeito em que estamos acostumadas a falar com amigos.

Foto: Marília Gouveia

Foto: Reprodução/Instagram

Foto: Reprodução/Instagram

Foto: Reprodução/Instagram

Foto: Reprodução/Instagram

Foto: Reprodução/Instagram

Foto: Reprodução/Instagram

Foto: Reprodução/Instagram

Primeiro, tento entender como começou a história com a moda e as joias. Ela me conta que quando era adolescente queria ser estilista e até desenhava algumas roupas para si mesma. Mas a ideia foi mudando com os anos. “Eu fui achando que era muito fútil, fiquei negando que gostava. Aí entrei em Design, me formei em Design Gráfico. Só durante o curso que pensava ‘moda não é fútil, não sei porque pensei isso’. Acho que é coisa de adolescente. Eu queria fazer alguma coisa para o mundo. As profissões que eu pensava eram Psicologia, Ciências Sociais… Aquariana, né? Louca”, relembra.


Foi durante a época de estudante que Maria conheceu a joalheria. Em 2014, foi selecionada para participar do programa Ciências Sem Fronteiras, e foi passar um ano na Nova Scotia College of Art and Design, universidade especializada em artes, em Halifax, no Canadá. Lá, um novo mundo se abriu. “Eu podia escolher qualquer disciplina que eu quisesse. Tinha as cadeiras de design, diagramação, tipografia... tudo que eu queria. Tinha também fotografia analógica, tecelagem, tingimento... Tudo que você imaginar de artes e design”, explica ela animada.

“E entre elas tinha Design de Joias. Eu me inscrevi só para fazer alguma coisa diferente. O consultor que nos ajudava com as cadeiras me perguntou: ‘você tem certeza?’, como se fosse alguma coisa muito difícil. Aí eu disse ‘tenho!’. Até então, na minha cabeça, ia ser uma aula teórica. Eu achei que ia estudar a história dos designers de joias, joalheiria tradicional… Não tinha nem ideia. Quando cheguei no primeiro dia de aula - era embaixo no subsolo, um estúdio gigante - e vi primeiros-socorros, bombeiros… Eu pensei ‘onde eu estou me metendo?’”, conta rindo.

 

Apesar do começo difícil e até de pensar em desistir, Maria persistiu e ainda cursou mais um módulo. Quando voltou para o Recife, conheceu um tio-avô que, coincidência ou não, era ourives. Ela passou então a frequentar o ateliê
do tio, que construiu uma bancada para ela. Na mesma época, precisava 

Maria Duarte - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

começar seu TCC. Com a experiência no Canadá, tinha certeza que seria uma coleção de joias. O tema veio de um anel feito ainda no intercâmbio, inspirado em Bichos, de Lygia Clark.

Caminhos e descobertas

A coleção foi apresentada em julho de 2016. Logo depois, começou a receber pedidos de vendas. “Eu fiz meu TCC e só, não pensava em ter uma marca. Fiz um editorial, mas é porque sou muito perfeccionista. Mas umas amigas pediram para eu vender, e comecei assim. Fiz uma logomarca e coloquei no Instagram. Mas foi tudo bem gradativo. A responsabilidade de ter uma marca é muito grande, é uma coisa meio louca”, explica.

 

Os pedidos que recebia era apenas sob encomenda, já que não tinha estrutura para produzir em grande escala. “Eu fazia na casa do meu tio e entregava em casa, para cada pessoa. Só aqui no Recife. E em janeiro deste ano eu criei o site. E já foi um pulo, né? Do nada: um pedido de São Paulo! Bizarro. A internet deixou o acesso muito fácil, todo mundo conhece”, fala com um ar ainda um pouco incrédulo.

Quando “vestiu a carapuça” de ter sua marca e realmente trabalhar com joias, Maria se jogou nas oportunidades. “Eu nem pensei muito que era difícil ou não. Se tem feira? Eu vou. Primeiro você tem que ‘botar a cara no sol’, né? Sair se enfiando em tudo e fazer divulgação. Às vezes se você for calcular o gasto, nem vale a pena. Mas tem coisas que você tem que se esforçar e meter a cara. Recife não é uma cidade fácil. As pessoas mesmo não procuram coisas novas”, fala.

 

Assim como o interesse pelas joias e o nascimento da Maria Duarte Joalheria Contemporânea, o espaço na Casa 57 também não foi planejado. “Eu não planejava abrir uma loja física agora, tinha muito medo dos custos. Mas me chamaram, e então eu chamei uns amigos, que também estavam no mesmo barco que eu, para dividir o aluguel. E realmente, pra mim, foi muito bom. É muito melhor”, afirma.

Editorial da coleção Invento - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Editorial da coleção Invento - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Editorial da coleção Invento - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Editorial da coleção Invento - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Editorial da coleção Invento - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Editorial da coleção Invento - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Editorial da coleção Invento - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Atualmente, a estilista ainda trabalha com design gráfico e no comércio da família. Ela divide um ateliê com mais cinco amigas: duas artistas plásticas, duas fotógrafas e uma design. Mas a cada dia a marca vem tomando mais o seu tempo e energia.

 

Com a loja, Maria vem percebendo de forma mais palpável o que é sua marca e quem são seus clientes. “Desde o começo, meu público é bem jovem, coisa que eu não esperava. A geração da gente foi treinada a dar muito mais valor a quantidade do que a qualidade. Chegam a dizer: 

 - Ah, mas eu vi isso parecido por 20 reais

 - É, mas isso aqui é de prata

 - Ah, mas tanto faz

 - É, mas quando você lavar a mão vai ficar rosa, tá ligado?!

A gente não pensa muito nisso e os mais velhos pensam. Com o contato físico com as pessoas, eu percebo que mudou um pouco o público. A loja atrai pessoas diferentes. Eu estou agradando um público mais velho, acho que também pela coisa de ser joia, material nobre… Então, meu público é bem diversificado. Não sei te dizer, ainda estou descobrindo”, fala.

Crescimento

Do início para cá, já foram lançadas três coleções. Maria conta que não consegue ainda criar muitas peças avulsas e “culpa” o curso de Design - que treina os alunos para sempre ter um conceito e uma história por trás das criações. Depois de Invento, surgiram Ciclos e Absentia. “A primeira foi meu TCC, então estudei muito Lygia Clark. Já a Ciclos foi uma coisa mais experimental, de ir fazendo, sem planejamento, fui brincando e criando. A terceira foi uma coisa mais conceitual. Eu estava relendo o livro A insustentável leveza do ser, que é meu preferido, e pensei no tema. Fui pegando os opostos e contrastes das relações afetivas: peso, leveza, vazio, presença, ausência…”, explica.

A marca já conta com cerca de 30 peças no catálogo. Além dos brincos, colares e anéis, aparecem também broche, joia para óculos e a entre olhos. Apesar de alguns parecerem diferentes, difíceis de usar e conceituais, os acessórios são bastante usáveis: “Aqui no Brasil você tem que fazer joia para vender. Lá no Canadá a gente encontra joia em galeria de arte - as de joalheria contemporânea. É outro mundo, é outra coisa. Eu gosto do conceitual mas preciso vender. Se eu quero isso para a minha vida, eu preciso vender”, fala determinada.

Coleção Ciclos - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Coleção Ciclos - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Coleção Ciclos - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Coleção Ciclos - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Coleção Ciclos - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Coleção Absentia - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Coleção Absentia - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Coleção Absentia - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Coleção Absentia - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Coleção Absentia - Foto: Lana Pinho/Reprodução/Instagram

Toda a produção, desde os primeiros esboços até a entrega para os correios são feitos por ela. Apenas a fundição da prata e o polimento são terceirizados, por não possuir equipamento necessário - e tempo. Somente há algumas semanas começou a contar com a ajuda de um ourives na reprodução das peças e com Nanda, aquela que me recebeu na porta, para ajudar na loja. Ela ainda cuida da divulgação, comunicação e todos os outros aspectos da marca.

 

“Depois eu eu abri a loja eu decidi que tinha que me organizar. É difícil pra mim, sozinha. A minha última coleção atrasou, porque é muita coisa, eu estava vindo pra cá, aprendendo ainda, não sabia nem quantas peças ia ter em estoque. E como ainda estou em uma fase de divulgação, me preocupo muito com isso. O Instagram hoje é a minha vitrine, né? Então eu foco nisso, saio enviando [peças] para as pessoas, faço conteúdo patrocinado. Nisso eu sou bem certinha”, conta.

 

Na história da marca, percebo que muitas coisas aconteceram quase que naturalmente, com a ajuda do perfeccionismo e determinação da dona. Nos últimos tempos, Maria vem percebendo que precisa se (re)estruturar. “Agora minha intenção é melhorar o espaço físico no sentido de organização. De não faltar estoque, melhorar a logística. Tem que organizar tudo isso. Agora com Nanda, vai ajudar”.

 

“Eu acho que fico centralizando muito pra mim. É meio que ‘eu consigo fazer tudo, eu consigo fazer tudo’. Mas você vai vendo que pequenas coisas vão ficando falhas, porque você não consegue fazer tudo querendo abraçar o mundo. Foi muito difícil pra mim colocar o ourives pra me ajudar. Eu ficava pensando ‘eu consigo fazer tudo’ e eu realmente consigo. Mas eu não estava surtando? Estava surtando. Tinha hora que - esse colar mesmo [o colar de imã que usa] - explodia. No Dia dos Namorados, tinha muito colar para fazer e tinha as outras peças. Então foi uma loucura. Ai eu disse ‘tenho que começar a descentralizar’. E aí você vai internalizando isso”.

 

No fim da nossa conversa, peço para tirar fotos das peças do mostruário. Antes, Maria pede para que eu espere, para que ela arrume perfeitamente as joias.

© 2017 - Made in Pernambuco por Marília Gouveia

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