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João Luís Battista, 27 anos, Catende

A riqueza e ostentação da cana-de-açúcar do início do século XX que movimentava a Zona da Mata pernambucana ainda resiste em Catende. Não na economia do município, que tem um PIB de pouco menos de R$ 200 mil dividido por seus 40 mil habitantes, mas em uma rua do bairro de Nova Catende, onde está localizado o ateliê de João Luís Battista. Autodidata, o jovem estilista traduz em vestidos o requinte de uma “alta-costura nordestina”.

 

Entre linhas e tecidos, João Luís cresceu vendo sua avó costurar acabamentos impecáveis com técnicas antigas passadas pelas gerações muito anteriores a ele. Na adolescência, entre seus 12 e 14 anos, já dava os primeiros passos na moda. Fazia vestidos em versões miniaturas, para bonecas - coisa que faz até hoje. Aos 16, começou a trabalhar como assistente no ateliê de uma amiga até que ela deixou a função por conta de um câncer. Foi quando abriu seu próprio ateliê.

 

A herança nunca abandonou seu trabalho. Das técnicas de costura que aprendeu com ela, o estilista desenvolveu as suas na prática. Do ateliê, onde trabalham mais cinco pessoas, saem texturas, acabamentos, tingimentos e cortes próprios, quase em sua totalidade feitos a mão. “É uma alta-costura que não é parisiense: tem uma linguagem bem pernambucana, com os acabamentos que a gente conhece, que foram repassados pelas nossas tias e avós”.

Produção da coleção O Choro da Viúva, para o Moda Recife, em 2015 - Foto: Arquivo pessoal

Produção da coleção O Choro da Viúva, para o Moda Recife, em 2015 - Foto: Arquivo pessoal

Produção da coleção O Choro da Viúva, para o Moda Recife, em 2015 - Foto: Arquivo pessoal

Produção da coleção O Choro da Viúva, para o Moda Recife, em 2015 - Foto: Arquivo pessoal

Desfile da coleção O Choro da Viúva, em 2015 Foto: Isana Sabóia Fotografia/Cortesia

“Costurar é realizar sonhos”

Em uma mistura de espelho e contraste de sua obra, ao mesmo tempo que é expansivo, é simples e pragmático. “Se você passar por mim na rua, não vai saber que eu costuro”, conta animado e decidido, como faz durante todo o tempo. As criações vão mostrando a identidade do criador: “Acabamentos incríveis, principalmente feitos a mão são a grande proposta do nosso trabalho. O corte, a leveza, o feminino, o cosmopolita e o atemporal são o que eu posso dizer que é ‘João’”.

 

Cada um dos vestidos é o resultado do trabalho minucioso que começa desde o primeiro encontro com a cliente, as conversas sobre o modelo desejado, até a prova final. “Não adianta a cliente chegar e dizer ‘vou querer assim’ e a gente vai acatar. Precisamos conversar, ver o que fica bacana. São peças exclusivas, sob medida.”

 

O ateliê entrega cerca de quatro vestidos por mês, alguns deles levando semanas e até alguns meses para ficarem prontos. Noivas, madrinhas e debutantes são o público principal. O objetivo é que as criações possam marcar um momento único na vida de cada uma delas.

João Luís Battista - Foto: Reprodução/Instagram

Para que os vestidos saiam exatamente do jeito planejado, não se prende aos materiais clássicos. Pode até mandar trazer tecidos de outros continentes, se for preciso. Caso não encontre, produz os próprios tecidos, bordados e estampas. Na última coleção, foi usado couro de porco, que passou por um processo para que parecesse folhas com tingimento dourado. Em suas palavras, é uma “orgia de material”.

 

João recebe clientes do Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador... Algumas confiam tanto no estilista que mandam as medidas e esperam apenas a concretização dos desejos. O ateliê é o berço de todas as criações. Ter uma loja ou espaço fora não está nos planos: “Eu já tive a oportunidade de vender fora. Mas não me senti bem. Eu vi um vestido meu em uma loja e as pessoas passavam, pegavam, olhavam e deixavam pra lá. Elas não tinham o sentimento de saber como aquilo foi feito. Me deixou arrasado. Perdeu minha identidade, não era eu”, explica.

 

Apesar de fazer uma moda universal,o estilista nunca quis sair de Catende ou se mudar para a capital. Gosta que os vestidos saiam, mas que ele fique. “Eu tenho uma alma interiorana, sabe? Eu adoro ir para o Recife fazer trabalhos, vê-la por um olhar artístico. Mas morar, sentir a agitação, muita gente… eu não consigo”.

Editorial inspirado na mitologia grega Mênades, onde ninfas seguidoras de Dionísio eram chamadas de selvagens e endoidecidas - Foto: Igor Melo/Reprodução/Instagram

Foto: Igor Melo/Reprodução/Instagram

Foto: Igor Melo/Reprodução/Instagram

Foto: Igor Melo/Reprodução/Instagram

Foto: Igor Melo/Reprodução/Instagram

Foto: Igor Melo/Cortesia

Foto: Igor Melo/Cortesia

Foto: Igor Melo/Cortesia

Vestidos que contam histórias

Apesar do grande motor do ateliê ser as clientes “reais”, são nas coleções conceituais que João Luís Battista mostra quem é. Desde a pesquisa do tema, conceito até detalhes do desfile, tudo é colocado no papel, para que nada saia do controle do estilista. Lançadas duas vezes ao ano, cada coleção tem de 20 a 25 looks.

 

As referências vão se acumulando. A arquitetura e a História são paixões que nunca deixam de influenciar nas criações. Observando dos arranha-céus da cidade às casa em estilo barroco de Catende, João vai decifrando cada etapa de construção, assim como faz com seus vestidos.

 

Outros estilistas também fazem parte de seu repertório. O primeiro, o francês Emanuel Ungaro: o “último grande costureiro”, conhecido por seus cortes perfeitos. Ungaro foi discípulo de Cristóbal Balenciaga quem, por coincidência ou não, era chamado de “arquiteto da moda”. Outro, contemporâneo, é o também francês Julien Fournié, por ser “tão dramático” quanto João.

 

“Na moda é preciso criar uma ideia, uma referência. É preciso uma forma de apresentar que seja para lembrar que aquilo é arte, que é um sonho, um sentimento… A minha última coleção do Moda Recife, em 2015, falava sobre o universo de mulheres criminosas. O nome era O Choro da Viúva, o que talvez leve a pensar em algo romântico: uma mulher que perdeu o homem de sua vida. Mas a minha viúva chorava porque foi presa, pois ela que matou o marido. Eu tenho um amigo que me disse ‘tu não vende roupa, João, tu vende história’.”

© 2017 - Made in Pernambuco por Marília Gouveia

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